Superação

MORADORES DO MORRO AZUL, EM SÃO SEBASTIÃO, TRANSFORMAM ÁREA ANTES INFESTADA DE HANTAVIROSE EM HORTA COMUNITÁRIA. EM SEIS MESES, ELES COLHEM A PRIMEIRA VITÓRIA

MÃES, FILHOS E NETOS PASSAM BOA
PARTE DO DIA CUIDANDO DAS PLANTAÇÕES
Há um ano e meio, aquilo tudo era lixo, mato e morte. Foi ali que Marinalva Pinto da Cruz, uma dona-de-casa de 25 anos, cheia de sonhos e planos, morreu de hantavirose, doença transmitida pelo rato silvestre. Há um ano e meio, nada ali lembrava vida. Só em 2004, 13 pessoas foram contaminadas na região. Cinco morreram. Vieram as lágrimas, o medo, a desolação, a vontade de ir embora daquele lugar. Houve quem o fizesse. Quem deixasse tudo para trás. Mas houve também quem resistisse. E quisesse contar outra história. Há seis meses, o que parecia impossível aconteceu. E, lentamente, aquela gente começa a renascer.

Primeiro veio a pracinha, em frente à casa de Marinalva. Num mutirão de limpeza, os homens capinaram. As mulheres e as crianças recolheram a sujeira e cataram o lixo. A comunidade fez galinhada para arrecadar fundos. E lá chegaram um banquinho, um balanço e a placa, com o nome da moradora que não está mais ali. Na quadra 12 do Morro Azul, em São Sebastião, a 25 km do Plano Piloto, nasceu o primeiro monumento – simplório demais – para celebrar a vida. Ali, junto àquele placa, um sinal de esperança. Aos domingos, a praça vira o único ponto de lazer do lugar.

Mas eles – aqueles moradores humildes demais – queriam ir adiante. Não bastava apenas uma praça. Em frente a ela, ainda havia mato, rato e possivelmente risco de morte. Numa área de 6 mil metros quadrados, cedida pela administração da cidade, que os apoiou desde o início, os moradores mais uma vez se juntaram para transformar o lugar. Com ajuda de técnicos da Embrapa e da Emater, a população aprendeu a cuidar da terra, plantar e, agora, colher. Perto da casa de Marinalva, numa área cultivada de mil metros, por onde passa um minicórrego batizado de Esperança pelos moradores, nasceu uma horta comunitária.

E de lá brotam couve, cheiro-verde, cebolinha, jiló, tomate, alho, manjericão roxo, orégano, alface, mandioca, milho. A primeira melancia foi dividida em milhares de pedaços entre cada um dos moradores. Todos plantam, colhem e agora também começam a ganhar dinheiro com a produção. Junto com a horta, brotaram a auto-estima, a valorização do trabalho, a vontade de crescer e, sobretudo, o orgulho de morar naquele lugar, antes sinônimo de medo, perigo, hantavirose e morte. Num pedaço de terra do Morro Azul, famílias inteiras começaram a fazer planos de dias melhores. Hoje, mais de 30 tiram o sustento de terras onde um dia viveram ratos e entulho.

Mudança de vida
Manhã nublada de ontem. Lá estava ele, animadíssimo, de porte altivo, plantando e colhendo. Aos 78 anos, o maranhense José Luiz Mesquita é pura energia. Morador do Morro Azul, tornou-se um dos administradores da horta. Cuida da plantação como se fosse a sua casa. Homem criado na roça, aprendeu cedo os segredos da terra. Quando achava que não podia fazer mais nada, recebeu o convite do presidente da Associação dos Moradores do Morro Azul para plantar. José aceitou. Meses depois, gargalha como criança: “Eu nasci de novo”, diz. E ele, o incansável presidente da associação, Osmane José da Silva, um cozinheiro de 35 anos que arrebanhou a comunidade para o resgate da cidadania, também comemora: “Daqui a cinco anos, este lugarvai virar um oásis de frutas e legumes”.

E planeja, junto do povo que acredita no mesmo ideal: “Vamos plantar pé de caju, laranja, abacate, goiaba, manga. Aqui vai voltar a ter vida.” Colega de José na administração da horta, Gonçalo de Souza Uchôa, piauiense de 67 anos, nunca mais, nos últimos seis meses, foi parar no posto de saúde por causa das crises de hipertensão. “Desde que eu vim trabalhar aqui, não senti mais nada. Tô melhorando a cada dia”, vibra. Colega dele no arado, a dona-de-casa Maria Edilene de Andrade, 34, nas horas vagas, corre para a horta.

SEU JOSÉ, DE 78 ANOS, REENCONTROU A INFÂNCIA NA ROÇA,
E SEU GONÇALO, DE 67, PAROU DE ADOECER
Na manhã de ontem, levava para casa um pouco de cebolinha e couve: “De uns tempos pra cá, comecei a sentir orgulho de morar nesse lugar.” E a alegria está estampada em cada rosto. Maria Ester Almeida, de 62 anos, que a vida toda foi costureira, hoje planta e colhe. “O meu prazer é tá aqui dentro da horta. Gosto de cultivar a terra, gosto de ver o produto crescer e saber que eu ajudei nisso”, encanta-se. Maravilhada de prazer, com a mãos cheia de jiló e cebolinha recém-colhidos, Maria Ester diz o que vai preparar para o almoço: “Vou fazer um delicioso guisadinho e comer com meus 12 netos.”
De saia comprida, chinela de dedo e cabelos amarrados, a baiana Dionizia Rosa dos Santos, de 48 anos, é só alegria com o novo trabalho: “Se eu pudesse passava o dia inteiro aqui.” E comenta a transformação do lugar onde vive: “A gente morava no meio dos ratos, da sujeira. Todo mundo tinha medo da hantavirose. Hoje, a gente planta. Olha quanta diferença!”

“Larga a enxada,homem!”
Mas quem está mesmo radiante com toda essa mudança é a mulher de José Luiz, Maria de Jesus Camêlo, 57. Casada há 54 anos com o homem que viveu na roça, ela conta que hoje, depois dos 13 filhos, nove netos e oito bisnetos, ele, o marido, não pensa mais em outra coisa. “Ele tá maravilhado com a horta. Tem dia que chega a noite e ele tá aqui, plantando ou colhendo alguma coisa. Esquece até de ir para a igreja. Aí, eu digo pra ele: ‘Zé, larga essa enxada da mão! É hora de ir pra casa, homem.” Às gargalhadas, o homem de 78 anos confirma a história da mulher: “A cabeça da gente fica até mais aliviada quando trabalha.

Todo mundo do Morro Azul ficou mais feliz.” Os engenheiros agrônomos, andando pelo terreno, ouvem as histórias emocionantes daquelas pessoas: “Onde falta tudo, tudo é importante”, reflete Luiz Márcio Takayoski Ueno, de 39 anos, da Emater. O colega dele, Assis Marinho Carvalho, 40, da Embrapa, planeja o futuro: “Queremos produzir aqui uma agricultura orgânica, completamente sem agrotóxico.” E o líder comunitário Osmane, o homem que levou todo aquele povo do Morro Azul, nos confins de São Sebastião, a descobrir que ainda existe vida naquele lugar? Carrega numa pasta fotos da evolução da horta e leva para casa um maço de cebolinha. Enão diz mais nada, tamanha a emoção.

Do lixo, do mato e da hantavirose nasceu a esperança. E ela brotou no meio de uma horta comunitária, junto com cebolinhas, couves, alfaces, manjericão… Com as mãos e as chinelas de dedo sujas de terra, vidas ganharam brilho. Às vezes, é tão simples mudar o rumo das coisas. Basta acreditar nisso. E é o que admiravelmente aquela gente tem feito, até debaixo de chuva, nos últimos tempos.

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